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March 8, 2022

Dúvida, Pensamento e Condição Humana.

Photo by Andrew George, on unsplash

O que distingue a ciência do mito?
Em que momento os humanos puderam deixar de lado a visão mitológica do mundo e da vida, e dar início às indagações da ciência?
Certamente apenas a partir do aparecimento da capacidade de duvidar de 'verdades' estabelecidas.
Enquanto aceitamos o que nos ensinam como "verdades" prontas, não podemos construir novas hipóteses, sem as quais apenas imitamos (macaqueamos) o que outros fizeram, e nos trouxeram como dado acabado. Não terá sido esse o efetivo início da espécie Homo sapiens: o instante em que surgiu o primeiro macaco capaz de duvidar?
Se nos dizem que o Sol é o deus do qual a Lua nasce, e passamos a repetir isso para as gerações futuras, não somos ainda sequer pré-cientistas. A rigor, nem podemos dizer sequer que propriamente pensamos. Quem jamais duvida é capaz apenas de imitar, macaquear. A expressão ingênua "ele ou ela age de acordo com seus próprios pensamentos", de uso comum, é tautologia nítida, pois não exercemos ainda a faculdade de pensar enquanto só repetimos idéias alheias.
Claro que o progresso da ciência exige acúmulo e transmissão de conhecimento ininterruptos entre as gerações, mas sem jamais abandonar a capacidade de duvidar de seu conteúdo. Analisemos alguns fatos da história da Física:
Copérnico foi capaz de conceber seu imenso salto a partir do sistema de Ptolomeu para o heliocêntrico somente após duvidar do dogma então absoluto de que a Terra era o centro do universo. Galileu, ao tentar demonstrar isso com seu telescópio, foi forçado a permanecer em silêncio sob pena de morte na fogueira por decisão de poderosos, demoníacos inquisidores, para quem duvidar das "verdades sagradas" era pecado gravíssimo. 
Newton após duvidar seriamente que a Física Aristotélica fosse a melhor descrição do mundo, pôde construir sua magnífica teoria da gravitação. Até então já se poderia inferir que quanto maior a capacidade de pôr o conhecimento previamente adquirido em dúvida coerente, maior o gênio de um cientista.
Albert Einstein, ao questionar radicalmente os sistemas de seus predecessores, foi capaz de superar a todos com suas teorias da relatividade, que nós, leigos, gostaríamos tanto de enfim entender com clareza, mas... E essa nossa dificuldade só cresceu com os desdobramentos posteriores do século XX, seja na física quântica, na teoria das Cordas, ou dos buracos negros, do bóson de Higgs, etc, etc.
Não importa muito para nossa vida prática de leigos, o quanto chegamos a compreender desses conceitos estranhos da física contemporânea, pois há muito tempo nossas vidas quotidianas, quer gostemos ou não, depende de uma miríade de aparelhos de alta tecnologia que os pressupõe.
Sim, a dúvida produtiva acerca desses assuntos só pode ser tarefa para especialistas!
Para que a ciência progrida, não basta a transmissão de conhecimentos sedimentados por gerações anteriores, é também imprescindível que o conjunto de teorias aceitas seja posto constantemente em cheque. Através da dúvida metodologica e rigorosamente conduzida, que questione sem cessar as conclusões, e também os axiomas, os constructos básicos e tudo que deles derive, ousando sempre lançar, especular e testar novas hipóteses se faz a evolução do conhecimento científico.
Corolário disso é que toda ciência, assim como todo tipo de saber só pode ser provisório, pois jamais será dado a qualquer ser humano o conhecimento absoluto.
O mito de Adão e Eva e sua sedução pela serpente, que os leva a provar o fruto proibido da árvore da sabedoria, parece ser uma alegoria interessante desta limitação humana: nós seremos para sempre infelizes, se tomarmos uma única dentre nossas verdades por absoluta. Tudo o que qualquer ser humano pode vir a conhecer diz respeito a seu mundo relativo, finito. O absoluto e a perfeição definitivamente não pertencem a nossa vida e jamais vamos alcançá-los.

            

                                ΩΩΩ          



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