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May 3, 2023

O Diabo na Paulista, Em Alta Velocidade*

*Esta história vai dedicada a Emilia e Mario, assim como a tantos outros casais amantes, não mais que dois indivíduos solitários lado a lado,  desta era tão estranha em que a internet domina, avassaladora, nossas vidas.   



"Para que uma árvore cresça até o Céu, suas raízes têm que descer às profundezas do Inferno!"          Friedrich Nietzsche
Em meados de abril,  com os sinais de aproximação do solstício de junho, agudiza-se na mente dos paulistanos a melancolia. Então, medo e desejo de fugir desta megalópole dantesca crescem intensamente em todos, mas não é verdade que haja qualquer relação disso com a menor duração dos dias no quase-inverno. Multidões de homens e de mulheres se põem a chorar sozinhos pelos cantos, ainda que ninguém dê atenção a seus prantos. Apesar de toda essa amargura a preponderar na cidade-monstro, persistem uns poucos homens e mulheres desejantes e irreais, dispersos por entre as multidões desta bizarra cidade, surgida há cinco séculos como uma gota de fogo sobre uma região outrora paradisíaca de floresta tropical. Até o início do século 20, era pequena cidade provinciana, até que a riqueza trazida pelo café a fez crescer explosivamente, e tornar-se logo uma das maiores cidades da Terra. Abriga hoje uma infinidade de favelas, pessoas famintas, viciados em crack, jovens bonitos e excitados vendendo seu desejo, ladrões, velhos, mendigos, crianças abandonadas, dentes caídos.
A despeito de tais mazelas, este círculo corrosivo da Terra, de horrendas formas, transborda em riquezas, sempre concentradas nas mãos de reduzida minoria.

Humanos genuinamente irreais nunca foram mais do que uns poucos sonhadores românticos rebelados, raramente vistos ou reconhecidos por pessoas comuns. Dispersos pelo mundo, quase nunca esbarram uns nos outros. São, pois, grandes solitários.
Naquela madrugada tomada pela neblina, depois de um bom tempo a vagar inquieto por seu apartamento, Mario decidiu-se por uma caminhada pelo 'deserto de pedra'. Sim, pois se houve tempo em que São Paulo era chamada de 'selva de pedra', hoje já não há absolutamente nada nestas ruas cinzentas que evoque a outrora maravilhosa e densa floresta tropical. Sem dúvida, já não passa de um imenso e crescente deserto de pedra.
Apesar do friozinho, as roupas leves de Mario permitiam a visão de boa parte de seu corpo seminu, musculoso e lindo, enquanto percorria ruas, praças, becos, passarelas. Os irreais sempre evocam os desejos mais intensos em todos os que cruzam seus caminhos.
Pouco depois de ter saído à rua, ocorreu aquele encontro antes único do que raro, quase impossível, entre dois irreais: Mario e Emilia, que logo estavam transando no canteiro central da Paulista perto do cruzamento com a Augusta, sob a forte iluminação da avenida. Sim, ousavam amar-se em plena rua, e ainda que só automóveis passassem por ali na madrugada, poderiam ser facilmente vistos. Entretanto, ninguém parecia notá-los, talvez pelo fato tão comum hoje em dia, de que se pode chorar sozinho a focar fixamente uma tela de celular, o que torna as pessoas incapazes de ver amantes nus em cópula furiosa, não importa quão lindos sejam; exceto talvez num vídeo pornográfico de uma telinha qualquer. Jamais em sua presença em 'carne e osso', ao vivo.
Depois do sono delicioso de nossos amantes irreais, algo absolutamente incrível aconteceu: uma enorme multidão de gente nua e linda irrompeu de todos os cantos, como se isso fosse possível, ou seja, real neste deserto de pedra. Ninguém parecia ciente de sua própria identidade, nem de seus objetivos, nem de seus rumos.
Todo irreal odeia chorar impotente e sem esperança, daí sua revolta espontânea e explosiva contra a chamada 'realidade', nome dado a esse número sufocante de regras absurdas, verdadeiros cabrestos impostos como modo exclusivo de convivência humana.
Vagando pelas ruas, a multidão irreal ansiava então por olhares profundos, sedenta de amor e de vida, ansiando por conhecer outros corpos e suas delícias.
Inegavelmente, pessoas irreais detestam certas palavras, caretas, gestos e atitudes reais, demasiado reais, dos humanos comuns.
Apesar dessa aversão, optam por nunca enfrentá-los, simplesmente ignorando os 'reais' demais. Os verdadeiros irreais só são capazes de amar e transar por toda parte, em todos os cantos da cidade, desregrados, mundo afora.
A multidão dionisíaca tomou, sim, todos os cantos de Sampa. Já não se podem ver homens e mulheres tristonhos, cabisbaixos. Os fluidos da vida escorrem pelos ​​corpos que gemem e gritam juntos, como nunca se viu ou ouviu antes sobre este chão.

Ainda no auge daquela grande festa, Mario e Emilia decidem fugir juntos, porque lhes parece que a orgia das massas já não os satisfaz. Escondidos em um beco escuro e minúsculo, eles se dizem:
"Eu te amo!".
"Eu também te amo!"

Alguns anos depois, Mario não consegue mais se lembrar daquela madrugada, nem da multidão dionisíaca.
Insistimos para que se lembrasse:
“Numa madrugada de outono, no meio da orgia irreal, você a conheceu, Mario. Que cena de amor espetacular vocês nos presentearam! Desde então, nós, humanos comuns, queremos voltar a ver sua foda selvagem, Mario! E nós o desejamos loucamente!"
Sua resposta:
“Vocês não entenderiam o que aconteceu conosco nem naquele mesmo dia, nem depois, amigos.
Os poetas dizem que toda aurora traz um mundo novo e maravilhoso, mesmo que nossos olhos não possam vê-lo. Que cilada! Uma doce e quente ilusão erótica, surgida como um sonho numa noite de outono não tem nada a ver com um novo mundo.
Emilia e eu nunca poderíamos esquecer aquela foda furiosa na avenida Paulista! Todavia, nossa estranha sina foi selada por um descuido tolo, estúpido, ou por um medo derivado de uma verdade pesada demais.
Por puro acaso, saí de casa com um pãozinho no bolso. Não ia comê-lo, simplesmente porque nunca faço isso em minhas caminhadas pela cidade. Então, por quê foi parar no meu bolso? Estou certo de que nunca terei essa resposta, pois se viesse a ter fome, sabia que seria fácil comprar pão fresquinho, pois aqui as padarias nunca fecham.
Durante um amasso delicioso, aquele pãozinho pulou fora do meu bolso, direto para calçada. Claro que o deixamos lá, não interrompendo nossa transa.
Já perto de gozarmos, como que do nada surgiu uma enorme limusine preta a toda velocidade, cujo motorista, em roupas vermelhas bizarras, ao ver o pão no asfalto, parou a máquina e desceu.
Aquele tipo tão esquisito parecia ser só mais um na enorme massa dos solitários que choram incessantemente pelos cantos, becos e esquinas cinzentos de Sampa. Muito excitado com o cheiro de nossos genitais transando, ouvindo nossos gemidos, mas, incapaz por completo de ver nossos corpos irreais copulando, uma fúria intensa tomou conta de sua mente. Com o rosto muito vermelho, inquieto ao extremo, mortificado de inveja, sentindo ódio, medo, terror, aquele tipo sinistro, bizarro, pisoteou o pãozinho possuído por ira explosiva, em seguida voltou para sua limusine e fugiu do palco de nosso amor como o diabo da cruz , a 140 km por hora.
Despertamos com muita fome depois daquele gozo prolongado e divino. Emilia e eu não tivemos escolha senão partir e comer o mesmo pãozinho pisoteado.
Sem dúvida, a decadência irreversível do nosso amor começou ali mesmo, naquela aurora da colossal explosão erótica."
Ficamos calados e deixamos Mario sozinho, calado em sua paz.
Uma paz de cemitérios.

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