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August 17, 2021

Escatologicamente



Diz a velha lenda que o rei Midas perseguiu o astuto Sileno, acompanhante de Dioniso, por muito tempo em meio à floresta, sem conseguir capturá-lo. Quando enfim  ele caiu em suas mãos, perguntou-lhe  o rei o que seria para um homem o maior bem dentre todos, o maior de todos os privilégios. Inflexível e imóvel calou-se o demônio...”
Friedrich Nietzsche


Todo o dinheiro do mundo, sob todas as formas existentes, subitamente se viu e cheirou transformado em excrementos humanos.
Brotaram reações individuais muito díspares, todas marcadas por intensa perplexidade. O banqueiro contava notas que se desmancharam e, amolecidas e meio pastosas, deslizaram de suas mãos. Astuto, não ordenou que os faxineiros lançassem toda aquela montanha fecal ao esgoto, uma vez que pôde perceber rapidamente que todo o seu gigantesco patrimônio tinha agora esse novo modo de estar-no-mundo.
Mendigos, favelados, pedintes e miseráveis de toda sorte foram tomados por intensa euforia, e puseram-se a comer verduras, capins, terra pura ou seja lá o que fosse que os fizesse defecar em abundância.
Todo o ouro do planeta converteu-se numa forma leve, docemente malcheirosa de fezes  amareladas, semelhante à do bebês de poucos meses.
Surgiram boatos na internet de que governantes de todo o mundo, visando a restabelecer a ordem global, fariam imprimir dinheiro novo, numa operação a que chamaram de Worldwide Quantitative Emergencial Easing. Certamente, seria aceita a conversão daquilo em que se transformara o antigo dinheiro, escatologicamente transformado, pela recém-criada e ansiosamente aguardada moeda. Dessa forma, a cada cidadão seria atribuído o direito de intercambiar se quinhão fecal, não importando seu volume e demais características peculiares, por um novo depósito à vista na nova moeda. Cobrar-se-iam de cada cidadão o imposto sobre operações financeiras (IOF), bem como os custos dessa transação.
Entretanto, qualquer tentativa de fabricar dólares, libras esterlinas, euros, yenes, reais, ou qualquer outra moeda, redundava inexoravelmente na mesma merda, shit, mierda, merde, Scheisse, etc.
Quanto aos cheques e cartões de crédito, quando preenchidos ou validados por senhas, imediatamente evaporavam-se em fétidos flatidos.
Diante do poderoso diz-que-diz de que as autoridades bancárias fariam a troca de excrementos por novos e valorosos depósitos, centenas de milhões de homens e de mulheres puseram-se a drenar, ou a tentar fazê-lo, esgotos e congêneres, por toda a Terra. Multidões esforçavam-se ainda por engarrafar gases intestinais, na esperança de vir a alegar terem tido origem em cheques ou cartões de grande valor.
O irrespirável ambiente interior das casas bancárias havia sido, então, meticulosamente higienizado, e todos os resquícios detectáveis, por varredura de microscópio eletrônico, de excrementos, gases ou muco intestinal estavam, a essa altura, trancafiados em herméticos e invioláveis cofres. A segurança armada lembrava, então, o grupo de americanos na operação exitosa de caça a Bin Laden.
Na internet, bem como em outros veículos de mídia, supostos experts  ofereciam-se para auxiliar eventuais clientes que desejassem discernir dólares de euros, ou de qualquer moeda, apenas pelo cheiro. Ainda que fosse patente que pouco, ou mesmo nada, se soubesse acerca dos preços relativos dessas moedas nacionais, todo economista parecia ainda respirar dos mesmos ares anteriores ao grande cataclisma.
Entrementes, bilionários, banqueiros e financistas em geral angustiados aguardavam por uma manifestação oficial, ou ainda que fosse um boato esclarecedor, acerca do que vinha ocorrendo na Suíça desde a grande hecatombe fecal-monetária global. Nesse país centro-europeu, ao contrário do resto do mundo, as centrais de notícias haviam silenciado por completo desde o primeiro instante de escatos (ou skatos). Ninguém, nem mesmo guardas de fronteira nem  espiões souberam informar se todo o franco suíço fora, como se julgava a princípio bem provável, igualmente fecalmente monetizado. Permanecia, portanto, essa grande incógnita acerca dos zilionários depósitos em moedas fortes  ouro nos bancos de Zürich, Genève ou Basel. Houve mesmo quem imaginasse ter havido ali grave situação sanitária, tendo em vista a expansão sofrida pela moeda ao transformar-se em fezes: os inúmeros cofres gigantes teriam explodido pela pressão interna subitamente muito mais elevada. Todo o material teria escoado para o lago Genebra, inviabilizando o próprio laboratório subterrâneo do CERN. Tudo hipóteses.
Em seguida, novos boatos na internet: fora convocada uma assembléia extraordinária da Organização das Nações Unidas, à qual se seguira reunião de emergência do Conselho de Segurança. Este teria deliberado datar todo excremento humano com carbono radioativo ( C14 ). Seria esse o único modo seguro de dar valor monetário a quinhões fecais que de fato tivessem sido dinheiro ou ouro antes do Big Shitting, para uma eventual recuperação de ativos mediante algum tipo de monetização. Muito embora ninguém tivesse a menor ideia de como pôr em prática tal remonetização.
Todos os países membros da ONU teriam subscrito o tal documento, exceção feita à Confederatio Helvetica, ou seja, à Suiça. Seus representantes diplomáticos alegavam não ter recebido qualquer orientação de voto, nem notícia de seu país desde o Big Shitting. Não houve quem levasse a sério tais declarações, e os helvéticos se tornaram alvo de gravíssimas desconfianças.
Submerso num oceano insalubre de incertezas, os seres humanos passaram a acumular suas fezes dentro dos pequenos e nefastos sacos plásticos de supermercado, sob cobertores, dentro de geladeiras, ou mesmo ao ar livre. Ninguém usava mais latrinas, nem descartava fraldas de recém-nascidos como em outros tempos. Todos buscavam esforços para juntar em seu poder a maior parte desse material tão peculiar, que acreditavam pudesse trazer-lhes a fortuna pessoal.
Tudo sugeria, então, que os humanos se iam acostumando a viver com o que, pouco tempo antes, era visto como o mais repugnante de seus produtos. Os odores fecais eram mais tolerados, ou mesmo tidos por mais suaves, perfeitamente suportáveis até mesmo em situações sociais, onde dantes sua presença seria abominada. “Certamente éramos excessivamente restritos em termos de amplitude de variedade olfativa”, resumiu o Dr Xeques Lecan, eminente psicanalista parisiense, logo repetido por todo o mundo.
No Altiplano Andino, estrategistas militares tomaram o poder através de mais um golpe de Estado. Nada parecia sugerir que a prata tivesse sido atingida pela praga de eschatos (ou skatos?). Uma comissão interministerial foi criada para decidir sobre sua grafia correta. O novo presidente decretou que treze mil toneladas de moedas de prata teriam de ser imediatamente cunhadas. Tal quantidade seria destinada à exportação para circular como meio de pagamento por toda a Terra.  Numa face, seria impresso em alto relevo o busto do general de quem proviera essa astuta deliberação, uma vez que havia tomado o poder imediatamente após ter-lhe ocorrido essa genial idéia. Quanto ao outro lado, não se poderia deixar de prestar homenagem a skatos (eschatos?), o evento catastrófico gerador de uma opulência nacional outrora inimaginável. “Destruição criadora” foi o epíteto então associado ao Big Shitting, capaz de reconduzir ao poder ”todos os corações e mentes dos cidadãos de nossa nação, antes tão desunidos.''  Pois deste lado viria impresso o contorno típico assumido pelas fezes humanas quando postas naturalmente no solo, retorcidas sobre si mesmas como um caracol. Cara e coroa.
Imediatamente tal presidente tornou-se o primeiro em popularidade entre os cidadãos de seu país. Em um discurso pela TV, na noite anterior à grande cunhagem, Luis Ignerto Lula bastante entusiasmado proclamava:
"Amanhã nosso povo vai mostrar ao mundo inteiro com que finalidade Deus nos deu este país, cuja Natureza é a mais rica da Terra. Após cunharmos o novo dinheiro com NOSSA PRATA, vamos mostrar às outras nações, infelizmente submersas sob um tsunami de merda, que este último para nós nada mais é que uma marolinha"
Seu discurso terminou com a multidão aos gritos repetindo incontáveis vezes: A PRATA É NOSSA! A PRATA É NOSSA!
O fracasso sul-americano desencadeou um novo golpe de Estado, já que uma rápida decisão era necessária em tantos e urgentes temas, e o perturbado presidente “criativo” se mostrava incapaz até mesmo de dirigir um único pronunciamento a seu povo. Uma desinfecção radical da Casa das Moedas, não poderia mais ser adiada. Milhares de toneladas desses bem formados e frageis, quase perfumados dejetos --- que era o atual estado de todo o nobre metal depois de ter sido “cunhado” --- estavam a exigir uma limpeza rápida, total e impecável.
A nova maneira de lidar com a riqueza das nações veio, paradoxalmente e por fim,  de uma nação emergente. Seu ministro velho e sábio professor universitário de economia, homem gordo e desajeitado, é respeitado em todo o mundo como um dos cérebros mais proeminentes a serviço de tal ciência.  Anunciou ter um plano infalível, que seria revelado logo que se encerrassem certas tratativas diplomáticas. Não disse com qual ou quais representações internacionais lidava.
Qualquer que fosse o tipo de solução não poderia demorar, já que o planeta todo sofria sérios danos de uma tal crise monetária tão avassaladora.
As socialites mais notáveis, tão constrangidas por terem que manter sob tutela rígida a nova e tão estranha configuração, assumida por suas jóias e demais pertences de valor, pressionavam maridos e governantes a ponto de quase enlouquecê-los.
Quanto aos pobres de longa data, foram perecendo às centenas de milhões de indivíduos por mês, vítimas de uma doença semelhante ao cólera, decorrente de ingerir, ou tentar comer todos os tipos de coisas desde galhos verdes de árvores a terra pura. Esvaíam-se, moribundos, tentando não perder uma única gota do líquido "precioso" que excretavam.
Finalmente, em meados daquele mês de julho, o ministro economista antes mencionado declarou, em um comunicado oficial em seu blog pessoal, que seu Plano Global de Ação estava já todo redigido, com os cálculos cabíveis em planilhas. Esperava-se tão só por uma única e definitiva resposta a certa consulta, de conteúdo secreto, dirigida ao governo suíço. Caso fosse positiva, a  ONU já havia declarado seu apoio à realização das operações de infraestrutura macro e microeconômicas necessárias para pôr fim à pior, mais exasperante crise econômica de todos os tempos.
Deve ser esclarecido que a desconfianças generalizadas sobre o povo suíço focava-se, a essa altura, em especulações sobre suposta arma extremamente poderosa, talvez biológica, cultivada nos Alpes e, em seguida, espalhada por microdrones por toda a Terra, com intenções hegemônicas. Tal arma seria a causa última de eschatos ou skatos (alguns ainda estavam a discutir qual a melhor grafia). Isso explicaria o silêncio absoluto dos meios de comunicação com aquele  país logo após o Big Shitting. Depois que a praga tivesse terminado, a Confederação Helvética se transformaria em Confederação da Terra Helvética, senhora deste planeta que já há tanto tempo necessita pôr fim a conflitos nacionais, que o vêm destruindo a velocidade crescente. Sonhava-se, então, com o ouro, a prata, e também com aquelas enormes quantidades de dólares, euros e ienes restantes, supostas ainda preservadas, acima dessas altas montanhas, em meio a geleiras pinheiros e lagos. Sonhava-se ainda com a salvação da Natureza na Terra...
Nos países ditos “socialistas”, ou “comunistas”, algo um pouco diferente ocorreu, que logo foi interpretado como complementar à "Revolução Fecal", expressão lá usada pra operar a síntese entre a “Revolução Popular”, ideia tão cara a essas sociedades e o 'Big Shitting' global: todo e qualquer papel timbrado com a assinatura de altos funcionários do Estado também se transformou em merda. Bastante dura, compacta, inflexível e malcheirosa, como a de pessoas com de intestino cronicamente preso, mas pura merda.
Por fim, quando veio a confirmação suíça, aceitando os termos da Nova Ordem Econômica Global, foi dado a conhecer o texto da Lex Magna (Grande Lei), do Big Shitting’s New Global Deal, que logo tantos outros ministros e chefes de Estado, bem como da ONU subscreveram.
Foi rapidamente sancionado, sob um regime de lei marcial, em todo o mundo. A seguir texto publicado neste país: 

Decreto n º 001 (UM) da Era Escatológica (ou Skatológica): 
Todo e qualquer cidadão desta nação, bem como os estrangeiros que possuam visto temporário ou permanente, os turistas e os representantes diplomáticos, a partir de agora estão obrigados a defecar exclusivamente à vista de pelo menos um membro da recém-criada Milícia de Fiscalização Econômica e Sanitária (MFESI). Seus excrementos fecais estarão automática e imediatamente confiscados aos cofres públicos. Ser-lhes-á restituído o montante assim arrecadado, através do reembolso em alimentos fibrosos, de preferência vegetais. Cabe aos membros desta Milícia qualificar, pesar e quantificar a massa de dejetos de cada ser humano dentro dos limites de nossas fronteiras pátrias. Leis complementares cuidarão das minúcias técnicas e demais detalhes de operacionalização necessários para essas delicadas transações monetárias.
O volume arrecadado dessa forma será depositado no recém-fundado Banco Central Boa Pépsis (BCBP).
Os servidores públicos do MFESI,  bem como os do BCBP, e de instâncias intermediárias, têm desde logo assegurado o direito de defecar tão só diante de um de seus superiores imediatos, e receberão o mesmo tipo de pagamento que os demais cidadãos.
Adendo penal 1) Todo e qualquer indivíduo, estrangeiro ou cidadão deste país, que trafique ou comercialize fezes humanas ilegalmente, será condenado à reclusão perpétua na  Câmara Defecação, onde só lhe será permitido comer e obrar até seu / sua morte natural.
Adendo da ordem financeira 2) Informações precisas sobre volume e massa de nossas reservas fecais de riqueza serão dados periodicamente ao embaixador suíço.
                             
                                    Professor Dr. Eurico Furtado
           Ministro da Economia da república federativa do Brasil 
"... Até o momento em que, coagido força Midas, Sileno irrompeu em riso estridente, e proferiu estas palavras: ''Miserável gênero humano, que dura só um dia, crianças nascidas por acaso e feitas para o trabalho árduo. O que tu me obrigas a dizer? Algo que seria melhor para ti não ouvir? O maior de todos os bens é para ti totalmente inatingível: não ter nascido, não ser, ser nada. O segundo de todos os maiores bens para ti é, no entanto, a morrer logo. "


--- Friedrich Nietzsche, O Nascimento da Tragédia § 3


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