A avó que deu à luz meu pai, ainda adolescente, foi mulher forte e vencedora, não só por incumbida da transmissão secretíssima da fé judaica, enquanto matriarca sefardita portuguesa, mas também pela lide no trabalho como sitiante da periferia de São Paulo. Orgulhava-se por ter sido a primeira mulher a obter uma permissão oficial para dirigir veículos de tração animal no município de São Paulo, lá por 1920. Isso não era feito menor, pois esta cidade já então era uma metrópole com cerca de 600.000 habitantes, atividade econômica intensa e trânsito em acelerada expansão.
PURIM
Lá por meados da década de 1970, tempos de meu ingresso na Universidade de São Paulo, sem sentir que já fosse o momento de revelar-me a verdadeira fé de nossa família, Natividade da Cruz, fez-me breve e emocionada menção a tema bíblico que lhe era muito caro:
--"Oh Marquitos, tu conheces a história de Esther, da Bíblia?"
--"Acho que já ouvi algo a esse respeito, mas não me lembro bem, não".
--"Pois tens que saber: Esther foi uma grande mulher, que salvou todo o seu povo; e sozinha! E vê que usou para isso só sua astúcia, sua grande inteligência. Nada mais foi necessário, para que vencesse o inimigo de seu povo, salvando-o de uma tirania assassina.
"Pois repara bem nisto, oh! Marquitos, Esther esteve totalmente só ao tomar a iniciativa de agir contra aquele inimigo, e revelar-se assim um grande ser humano, uma grande mulher. Não precisou sequer da ajuda de um único homem!"
Disse-me esta última frase com imponência e orgulho, denotando identificar em si mesma toda essa força vinda da própria Esther ao salvar o povo judeu de Haman, o maligno conselheiro do rei da Pérsia.
As matriarcas criptojudias sefarditas, a quem coube assumir para si a preservação intrafamiliar de sua verdadeira fé, dado que a tansmissão rabínica se inviabilizara pela perseguição dos inquisidores, nutriram-se, sem dúvida, por cinco séculos de renovada energia vinda de Esther da Pérsia.
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