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September 5, 2022

Ser, Querer e Não-Ser em #FernandoPessoa, #GuimarãesRosa e #ItaloCalvino

Diadorim* é personagem enigmática já em seu primeiro encontro com Riobaldo*, ambos crianças a cruzar o Rio São Francisco numa canoa. Após seu reencontro, o narrador jagunço passa a sentir sua presença em toda parte, a ponto de sentir-se inseguro de si mesmo, como alguém que, envolto por intenso nevoeiro, não pode estar saber ao certo onde está, nem donde veio, e tampouco para onde vai. Sente, então, medo do presente e do futuro, ou libertação frente ao passado? Tudo isso ao mesmo tempo?
Na paixão amorosa, os limites entre o Eu, o outro e o mundo ficam borrados.
Riobaldo diz: "Diadorim é a minha neblina". 
Mas quem é Reinaldo, Diadorim? É homem, é mulher, ou não sabe qual seu gênero? Nem a própria personagem parece ter resposta clara a essas perguntas.
A irrupção do desconhecido, que permeia os encontros mais intensos e verdadeiros entre amantes, põe em cheque nosso 'Eu' mais profundo, abre-o para novas vidas, novas realidades, novos mundos (Martin Buber).
A Neblina é aqui símbolo para os mistérios do mundo, sem os quais a mesmice e o tédio esvaziam todo sentido da existência, tornam a vida humana um deserto que só cresce. (Nietzsche: "O deserto cresce".)
Nessa obra-prima de Guimarães Rosa, a neblina é metáfora para o gerador maior de sentido na existência de Riobaldo, papel análogo ao do Nada que há sob a armadura de Agilulfo em 'O Cavaleiro Inexistente', de Italo Calvino.
Sem neblina, sem mistérios, só nos restam as 'certezas' sempre provisórias sobre as coisas palpáveis, dadas pelas ciências empíricas, cujo prisma nos enquadra como meras máquinas desejantes, partes de engrenagens técnicas a ser aprimoradas em utilidade e capacidade de produção, mesmo que não saibamos pra quê, ou para o benefício de quem.
Nestes nossos tempos, de todo ser humano se exige que seja sobretudo prático, veloz, 'quotidiano e tributável' (Álvaro de Campos). Postos em fórmulas, algoritmos, representados por nossos desejos irrefreáveis, e 'libérrimos' podemos tudo, e todos nos igualamos a Gurdulù**, que "existe mas não é" (o contraponto de Agilulfo**, o próprio cavaleiro inexistente, que "é mas não existe"). Tornamo-nos o "Cadáver adiado que procria", de Fernando Pessoa****, no poema a Dom Sebastião, cuja "loucura" equivale ao 'Nada' atribuidor de sentido.

NOTAS EXPLICATIVAS:
*Riobaldo e Diadorim são os protagonistas centrais do romance 'Grande Sertão, Veredas. Amam-se sem nenhum contato físico. O primeiro é jagunço poderoso, chefe do bando vencedor de um sem número de batalhas sangrentas entre vários grupos rivais. Em meio a isso, Diadorim se torna seu seguidor fiel,  e uma poderosa atração mútua brota entre os dois. Alerto, porém, que não se trata de mais um romance homo-afetivo, tão ao gosto da mídia nestes tempos. É de Riobaldo a frase: "Diadorim é a minha neblina".

**Agilulfo e Gurdulù são personagens de 'O Cavaleiro Inexistente', de Italo Calvino. O primeiro é o cavaleiro mais idealizado e desejado dentre todos os então conhecidos: sempre sobre seu cavalo branco, vai acompanhado por seu escudeiro. Ocorre que por baixo de sua armadura de bronze, o altivo cavaleiro não tem corpo, e em seu lugar não há nada. Tantas o imaginam como o melhor dos amantes, como  companheiro pra suas noites de festas, de orgias. Porém, jamais poderão tê-lo. Frustradas, as nobres cortesãs  aceitam Gurdulù por substituto, ainda que o julguem tão inferior ao cavaleiro, convite logo aceito pois está sempre disponível, jamais diz não a qualquer uma. Todas podem tê-lo, mas o têm só enquanto corpo, e um corpo útil, vazio de sentido. Logo o descartam como hoje ser faz com um vibrador usado,que não serve pra nada, posto que é uma mera coisa. 
Agilulfo é mas não existe; é um espírito sem existência concreta.
Gurdulù existe, mas não é; é só matéria desprovida de qualquer espírito ou sentido. 

***Lisbon Revisited        (poema de Álvaro de Campos, heterônimo de Pessoa  
Não: não quero nada
Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.
Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) —
Das ciências, das artes, da civilização moderna!
Que mal fiz eu aos deuses todos?
Se têm a verdade, guardem-na!
Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?
Não me macem, por amor de Deus!
Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?
Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja de companhia!
Ó céu azul — o mesmo da minha infância —
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflecte!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.
Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!

****Dom Sebastião, Rei de Portugal (poema de Fernando Pessoa)

Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Qual a Sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.

Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?

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