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September 6, 2019

GENEALOGIA DA #MÚSICA

'Esta poderosa ilusão a que damos o nome de TEMPO não é senão um meio de cultura, em que desejos e frustrações ondulam nossas vidas.'
Enrico Tenaglia, Filósofo.
Nasci perto da margem do largo rio que atravessa o deserto, sob a copa de um baobá, não muito longe do mar. As dores de quem me trazia dentro de seu corpo não duraram mais que uns poucos minutos. Houve brilho de alegria nos olhos de quem me viu chegar à luz e ao mundo.
Menino, brinquei  ao longo das várzeas próximas àquele rio, pulei e corri pela mata. Fiz-me homem de fortes músculos, e logo todas as fêmeas que encontrava sentiam um desejo forte de entregar-se a mim. A elas me dava por inteiro, ingênuo, desejante, cheio de ternura.
Logo formávamos uma horda: eu, único macho, cercado por inúmeras mulheres e tantas delícias que nos propiciávamos mutuamente. Peregrinos e nômades, primeiro seguimos a direção das águas correntes. Até que em certa manhã chegamos ao local em que o rio vai encontrar-se com o mar com suas águas salgadas e suas altas ondas.
Fui espalhando tantas crianças, meninos e meninas, ao longo de toda aquela linha litorânea. Seguíamos, então, em busca daquela terra tão distante, de onde o sol surgia todas as manhãs.
Andarilhos, nosso número continuava a aumentar constantemente, mas vindas de fora só aceitávamos raras virgens. Os demais eram gerados por nós mesmos.
Num meio-dia de final de verão, de repente senti que algumas mulheres envelhecidas já não mais despertavam meu desejo. Abandonei-as. Elas, porém, passaram a seguir as marcas que meus pés deixavam nas areias. Ao fazer isso, tentavam ainda contemplar-me, mesmo que à distância. Sonhavam constantemente com meus olhos. Sedentos de vida, ávidos por todo o tipo de maravilhas, prosseguíamos rumo a terras desconhecidas, em busca de novas paisagens.
Trocava, com frequência crescente, mulheres idosas pelas jovens púberes que tínhamos gerado em nosso convívio. Possuía ainda, nos rebentos machos, amantes quentes, dóceis e cheios de vigor.
Os dois subgrupos eram mantidos separados por uma distância constante, o limite de onde, apesar de rejeitados por mim, eram capazes de contemplar-me os olhos e seu brilho.

Eu não tinha nome, nem qualquer um de nós. Não dávamos nomes a nada nem a ninguém. Nossa única linguagem era a dos gritos e gemidos durante amor e as orgias. Nenhuma outra.

 Em certo pôr-do-sol, chegamos a um mar estranho, extremamente salgado. Somente pedras e rochas não flutuavam acima de suas águas. Parecia não ter nenhum peixe. Nós caminhamos ao longo de sua margem, comendo pequenos animais que nós caçávamos em seus arredores rochosos. Até que por fim chegamos à foz de um rio, onde pudemos pescar alguns peixes. Lá pudemos permanecer estacionados por muitos verões, por haver de comer e de beber em abundância.
Eu havia atingido o ponto máximo de força e de beleza de um macho humano. Costumava apaixonar-me por meninas assim que via em seus olhos o desejo quente e maduro, e também abraçava suavemente os rapazes quando seus ombros estavam largos e suas coxas musculosas e rijas.
As criaturas que nasciam de minhas fêmeas me amavam arrebatadamente.
Há pouco mais de uma dúzia de outonos havia nascido, da mais desejada de minhas mulheres, um menino que logo se mostrava mais e mais semelhante a mim, por seu rosto, por sua estatura, pela cor de seus pelos, de seus olhos.
Quando sentiu a força do desejo adulto, lançou-se forte sobre encantadoras mulheres. Quis, impetuoso ao extremo, ter-me junto ao possuir a mais bela dentre elas, tão semelhantes éramos.
À margem direita daquele pequeno rio, próximo ao ponto em que este deságua no pequeno mar salgado, numa noite de verão e por entre rochedos, nos reunimos todos em trio desejante pela primeira vez. Nus, único jeito que conhecíamos de viver, nossas duas ereções foram intensíssimas e enormes. Amamo-nos, com nossos três corpos entrelaçados, ao ar livre e quente da noite  estrelada daquele quase-deserto. Confundimos nossas imagens em nossas mentes uivantes até o nascer do sol.
Teríamos podido, machos idênticos, passar a viver pra sempre lado a lado, possuindo e amando juntos não só aquela, mas tantas outras fêmeas deliciosas. Assim tão iguais, quem poderia ou quereria diferenciar-nos, e pra quê?
Esse teria sido o bom destino de nosso clã de amantes, em infindáveis surubas. Eu, experiente e maduro, ele mocinho, ainda que dois, seríamos um ser único a transbordar de vida em jornada rumo àquela terra sempre a parir o sol.
Algo diverso, porém, veio a ocorrer. A possibilidade dessa divergência de rumos emergiu numa das noites de orgia em que nós, os dois machos junto dela, nossa mais assídua companheira, nos amávamos loucamente. Tendo gerado belos jovens em seu ventre, de suas próprias entranhas veio uma atração mais intensa por ele do que por mim. Diferenciou-nos. Lançou contra mim, então, todo o poder de seus feitiços. Deu-me uma palavra: chamou-me de “Pai”.
Tendo nome, eu,’Pai’, jamais poderia tornar a confundir-me com o jovem. Aquela confusão de identidades, que preenchia nossos encontros com as mais plenas delícias, não mais tornamos a atingir. Nós a procuramos por entre aquelas mesmas rochas do primeiro encontro, ainda algumas vezes. Havia certos tipos de gozo, mas a simultaneidade era já impossível. Parece que o próprio desejar já não era aquele mesmo desejo de antes. Desejávamos agora um desejo que já não existia.
Decepcionados, vimo-nos diante de outra magia daquela mulher: designou o gozo que acabara de ter comigo de “Passado”, e ao gozo que ali compartilhara com aquele adolescente nomeou “Futuro”. Ao estado de tédio e frustração em que nos encontrávamos, pouco antes do nascer do sol, deu o nome de “Presente”.
Indivíduos que passamos a ser, com nome e noção de tempo, ‘Filho’ e ‘Pai’, nos odiamos. Expulsei-o com violência para o grupo dos desprezados. Ela o acompanhou.
“Filho” e “Mãe”, ainda dois outros nomes criados por ela, escorraçados e infelizes, foram ainda capazes de conceber outra dimensão do tempo: a da vida que poderia ter sido, caso tudo não se tivesse desfeito, caso ainda fosse possível aquela nossa primeira orgia. Esse tempo ausente e intangível, chamaram de “Eternidade”. Ao gozo pleno e simultâneo de nós três, impossível de traduzir em palavras, nomearam “Deus”.
No grupo dos enjeitados, onde todos viviam dos sonhos e devaneios com meu olhar, ‘Filho’ foi admirado e desejado calorosamente. ‘Mãe’ tratou de ensinar a todos a magia dos nomes e do tempo.
Se o gozo com ‘Pai’ era o ‘Passado’, se sua situação de desprezados era o ‘Presente’, se a atração por ‘Filho’ era o ‘Futuro’, e a felicidade que poderia ter sido, o ‘Eterno’, já se sentiam capazes de separar-se de meu olhar. E assim o decidiram quando ‘Filho’ lhes falou de ‘Deus’, prazer que nenhum deles conhecera, muito mais intenso que todas as volúpias usufruídas pelos enjeitados. Impossível de narrar, em detalhes e nuances, os seus movimentos tão harmônicos a três. Impossível de se comprovar tanto sua intensidade, quanto a verdade de sua existência.
Esse grupo, onde se nomeava cada vez mais, desde objetos concretos até sensações, seguiu o rumo da terra que engole o sol ao entardecer.
De mim, levaram recordações dos tempos de orgias, bem como a dor de nunca mais tornar a ver-me. Nunca os membros desse grupo, nem mesmo as gerações infindáveis que se seguiram, foram capazes de esquecer os nomes que ‘Mãe’ dera a cada uma das sensações tidas a meu lado, no toque íntimo com meu corpo: ‘Infinito’, ‘Belo’, ‘Passado’, ‘Eterno’, ‘Deus’.


Este conto-poema faz parte de A Última Coruja, romance publicado, pela primeira vez em português, pela amazon.com em fins de 2013. Você pode começar a lê-lo já, basta clicar aqui.

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