Foto cedida por Vadim Lebedych no portsl unsplash.com
Adolescente tímido de dezessete anos, Ermanno temia que seus colegas zombassem se revelasse sua condição de virgem ou, pior, se a percebessem só por seu jeito de ser. Seria verdade que a atividade sexual muda o brilho dos olhares pra sempre?Introvertido, sempre extremamente dedicado à vida acadêmica, tardava sua primeira transa, a despeito de seus sempre elevados niveis sanguíneos de testosterona, que o deixavam todo dia, toda hora tinindo de tesão.
Julgava-se um tarado, mas um 'tarado do bem'. Ainda que o incomodassse essa mistura de atributos contraditórios, pois consigo mesmo contra-argumentava:
“Ou tarado, ou tímido e do bem! Impossível ser ambos ao mesmo tempo!”.
Pouco importa a lógica diante de um fato evidente que a questione, pois Ermanno encarnava o tenso equilíbrio desse paradoxo. Apesar de que, em seus devaneios, as mulheres jamais deixassem suas cabeças em paz, sentia-se incapaz de dar início a um bom papo com elas.
Acrescente-se que, por mais insano que parecesse, mesmo no auge de sua concentração, como ao construir suas hipóteses acerca da univocidade transcendente entre a 'função cerebral e a atividade mental', o fluxo de suas fantasias sexuais jamais se detinha. Contradição que o levou a propor, a partir da observação de si mesmo, a seguinte hipótese: "Seriam as mais elevadas abstrações capazes de provocar tesão tanto quanto um bom filme pornô?"
Morador da Vila Romana, cursava sua faculdade na Dr Arnaldo, e duas linhas de ônibus eram úteis pra esse seu percurso, ambas partindo do centro comercial da Lapa. A primeira delas, com uns 4 Km de trajeto, subia a rua Aurélia, depois prosseguia pela Heitor Penteado, e logo já estava bem pertinho da faculdade de medicina. Raramente, seus ônibus, confortáveis e rápidos, chegavam a lotar. A outra, cujo destino final era o distante bairro de Santo Amaro, fazia trajeto mais prolongado para ir da Lapa até a avenida Dr Arnaldo, o que acrescentava uns 2Km a mais percorrendo um trecho alternativo, paralelo ao da primeira linha. Assim, depois da longa subida pela avenida Pompéia, entrava pela Alfonso Bovero com suas inúmeras curvas por entre os aclives e declives dos morros do Alto do Sumaré. Por tudo isso, levava o dobro do tempo, e, nas guinadas laterais bruscas, os passageiros eram lançados uns contra os outros, fazendo com que seus corpos se roçassem dos pés às cabeças, mesmo quando esse não fosse seu desejo. Seus ônibus estavam sempre lotados.
Caro leitor, você acertou, pois corpos belos e jovens eram rotineiramente provocados ali. Ermanno Tedesco, o bom moço, estava entre os mais assediados, pois sua timidez quase angelical, à la Fernando Pessoa, não impedia que seu corpo irrompesse em ereções poderosas e duradouras, muitas vezes desencadeadas por um leve roçar de corpos, ou pelo aroma de uma mulher.
Mulheres experientes, mas não só, percebendo aquele seu recato desajeitado, tão incoerente com o que podiam observar da reação de partes bem evidentes de sua anatomia, ativamente o provocavam sem pedir permissão.
Fato é que, a despeito de seus obstáculos de consciência, Ermanno preferia, sempre que não saísse atrasado de casa, seguir por essa linha demorada e sinuosa, evitando o conforto da outra.
Assim, numa manhã de primavera em que saiu da cama muito cedo, dia de importante prova de neurofisiologia, que supunha viesse a influenciar bastante sua carreira futura, mais uma vez optou por tomar a linha mais sinuosa e demorada.
Gente demais dentro do coletivo, como sempre!
Logo que entrou pela Alfonso Bovero, uma mulher ruiva, balzaquiana muito sensual, insinuou-se entre seu corpo e a fileira detrás dele como a pedir passagem. Parou a seu lado e, tão inevitável ali, roçou suas pernas nas dele. Ermanno, cuja pele sempre foi muito sensível, logo pôde deduzir que sua testosterona crescia, subia rápida e firmemente, assim como tudo o que num corpo de homem desse hormônio depende.
A ruiva tocou aquela sua rigidez toda, e sentiu tudo aquilo comprimi-la com força pétrea, sem usar as mãos. Cheios de desejo, ao longo das sucessivas curvas, sua respiração já ofegava em ritmo conjunto, num quase-êxtase. Sem trocarem quaisquer palavras, exalavam já o delicioso e sensualíssimo perfume da fêmea e do macho mutuamente desejantes.
Instantes são efêmeros por definição, certo? No entanto, há instantes que parecem fora do tempo, capazes de tocar a Eternidade. Se não fosse assim, como explicar que aquele trecho curto de Alfonso Bovero, que atravessa o Alto do Sumaré, tenha demorado tanto a passar, ainda que percorrido à mesma velocidade de sempre? Aquelas altas colinas foram abençoadas por seus corpos a apertar-se e esfregar-se um no outro, passivamente levados pela inércia, além de empurrados pelo traseiro de desconhecidos sem rosto. Só passiva e inercialmente movidos?
“Ah que mundo maravilhoso seria este se a Terra toda fosse tomada por este ritmo sensual e caótico. Como é doce o caos que só o desejo comanda” -- Devaneavam juntos Ermanno e Marlene, então.
O bom moço tinha muito vivas e pesadas na memória situações quase iguais, em que pusera tudo a perder mesmo diante de uma chuva de sinais favoráveis, todo o campo da doce batalha já tomado e úmido. Quão triste a sensação de fracasso que lhe sobreviria, caso também a perdesse, só por não conseguir iniciar um papo!
Fato é que, a despeito de seus obstáculos de consciência, Ermanno preferia, sempre que não saísse atrasado de casa, seguir por essa linha demorada e sinuosa, evitando o conforto da outra.
Assim, numa manhã de primavera em que saiu da cama muito cedo, dia de importante prova de neurofisiologia, que supunha viesse a influenciar bastante sua carreira futura, mais uma vez optou por tomar a linha mais sinuosa e demorada.
Gente demais dentro do coletivo, como sempre!
Logo que entrou pela Alfonso Bovero, uma mulher ruiva, balzaquiana muito sensual, insinuou-se entre seu corpo e a fileira detrás dele como a pedir passagem. Parou a seu lado e, tão inevitável ali, roçou suas pernas nas dele. Ermanno, cuja pele sempre foi muito sensível, logo pôde deduzir que sua testosterona crescia, subia rápida e firmemente, assim como tudo o que num corpo de homem desse hormônio depende.
A ruiva tocou aquela sua rigidez toda, e sentiu tudo aquilo comprimi-la com força pétrea, sem usar as mãos. Cheios de desejo, ao longo das sucessivas curvas, sua respiração já ofegava em ritmo conjunto, num quase-êxtase. Sem trocarem quaisquer palavras, exalavam já o delicioso e sensualíssimo perfume da fêmea e do macho mutuamente desejantes.
Instantes são efêmeros por definição, certo? No entanto, há instantes que parecem fora do tempo, capazes de tocar a Eternidade. Se não fosse assim, como explicar que aquele trecho curto de Alfonso Bovero, que atravessa o Alto do Sumaré, tenha demorado tanto a passar, ainda que percorrido à mesma velocidade de sempre? Aquelas altas colinas foram abençoadas por seus corpos a apertar-se e esfregar-se um no outro, passivamente levados pela inércia, além de empurrados pelo traseiro de desconhecidos sem rosto. Só passiva e inercialmente movidos?
“Ah que mundo maravilhoso seria este se a Terra toda fosse tomada por este ritmo sensual e caótico. Como é doce o caos que só o desejo comanda” -- Devaneavam juntos Ermanno e Marlene, então.
O bom moço tinha muito vivas e pesadas na memória situações quase iguais, em que pusera tudo a perder mesmo diante de uma chuva de sinais favoráveis, todo o campo da doce batalha já tomado e úmido. Quão triste a sensação de fracasso que lhe sobreviria, caso também a perdesse, só por não conseguir iniciar um papo!
Enquanto ele assim ponderava, Marlene admirava com seus olhos verdes devoradores os bons detalhes daquele rapaz bonito. Deliciava-se com seu volume tão evidente, tão poderoso, e tão firme e fácil de tocar. A idéia de pegá-lo ali mesmo, agarrando-o com as mãos, a incendiava dos pés à cabeça.
Alguns meses antes, Ermanno havia participado da encenação de uma peça francesa, em seu centro acadêmico, em que lhe coubera o papel de um poeta que, por não saber como abordar uma bela mulher, perguntava a ela, de repente, do nada e sem motivo algum:
“Você estuda na Filosofia?”
Assim, a partir do nonsense de uma pergunta gratuita, sem pé nem cabeça, sem qualquer porquê, ele quebrava o gelo. A partir do nada, numa ausência total de sentido brotava o amor. Pairava nessa cena uma tomada de posição acerca da existência, assim posta: 'seria o nada absoluto a verdadeira essência do amor?'
Num lampejo, Ermanno se decidiu. Reincorporando aquele personagem, saberia encenar sua determinação, e fingir coragem resoluta. Mirou direto nos olhos já lascivos de Marlene e perguntou:
“Você estuda na Filosofia?”.
Meia hora depois, Marlene e Ermanno punham um fim rubro, quente e incendiário à virgindade do bom rapaz tímido, numa transa intensa, que culminou em uivos conjuntos e estrepitosos de ambos. Todos naquele pequeno hotel de bairro os ouviram e invejaram.
"Deliciosa Marlene", foi o forte, sincero e eocionado comentário que fez ao falar dela pro amigo Celso Chassot, algum tempo depois.
Jamais a esqueceu!
Por quê nunca mais se viram? Talvez porque, diante dos ‘progressos’ constantes e acelerados desta era digital, os caminhos do acaso, com suas curvas acentuadas e incendiárias, estejam também em extinção.
Se algo semelhante ao drama desse bom moço introvertido, tarado-do-bem, se passasse hoje, certamente não teria perdido sua prova de neurofisiologia devido a distrair-se tão gostosamente, e deixar de dar o sinal ao motorista para descer no ponto em frente a sua faculdade. Ermanno e Marlene desembarcaram uns 2 km depois, perto do Largo de Pinheiros e a uma quadra do simpático hotelzinho.
Alguns meses antes, Ermanno havia participado da encenação de uma peça francesa, em seu centro acadêmico, em que lhe coubera o papel de um poeta que, por não saber como abordar uma bela mulher, perguntava a ela, de repente, do nada e sem motivo algum:
“Você estuda na Filosofia?”
Assim, a partir do nonsense de uma pergunta gratuita, sem pé nem cabeça, sem qualquer porquê, ele quebrava o gelo. A partir do nada, numa ausência total de sentido brotava o amor. Pairava nessa cena uma tomada de posição acerca da existência, assim posta: 'seria o nada absoluto a verdadeira essência do amor?'
Num lampejo, Ermanno se decidiu. Reincorporando aquele personagem, saberia encenar sua determinação, e fingir coragem resoluta. Mirou direto nos olhos já lascivos de Marlene e perguntou:
“Você estuda na Filosofia?”.
Meia hora depois, Marlene e Ermanno punham um fim rubro, quente e incendiário à virgindade do bom rapaz tímido, numa transa intensa, que culminou em uivos conjuntos e estrepitosos de ambos. Todos naquele pequeno hotel de bairro os ouviram e invejaram.
"Deliciosa Marlene", foi o forte, sincero e eocionado comentário que fez ao falar dela pro amigo Celso Chassot, algum tempo depois.
Jamais a esqueceu!
Por quê nunca mais se viram? Talvez porque, diante dos ‘progressos’ constantes e acelerados desta era digital, os caminhos do acaso, com suas curvas acentuadas e incendiárias, estejam também em extinção.
Se algo semelhante ao drama desse bom moço introvertido, tarado-do-bem, se passasse hoje, certamente não teria perdido sua prova de neurofisiologia devido a distrair-se tão gostosamente, e deixar de dar o sinal ao motorista para descer no ponto em frente a sua faculdade. Ermanno e Marlene desembarcaram uns 2 km depois, perto do Largo de Pinheiros e a uma quadra do simpático hotelzinho.
Ainda existe essa linha de ônibus?
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