Introvertido, sempre extremamente dedicado à vida acadêmica, tardava sua primeira transa, a despeito de seus sempre elevados niveis sanguíneos de testosterona, que o deixavam todo dia, toda hora tinindo de tesão.
Julgava-se um tarado, mas um 'tarado do bem'. Ainda que o incomodassse essa mistura de atributos contraditórios, pois consigo mesmo contra-argumentava:
“Ou tarado, ou tímido e do bem! Impossível ser ambos ao mesmo tempo!”.
Pouco importa a lógica diante de um fato evidente que a questione, pois Ermanno encarnava o tenso equilíbrio desse paradoxo. Apesar de que, em seus devaneios, as mulheres jamais deixassem suas cabeças em paz, sentia-se incapaz de dar início a um bom papo com elas.
Fato é que, a despeito de seus obstáculos de consciência, Ermanno preferia, sempre que não saísse atrasado de casa, seguir por essa linha demorada e sinuosa, evitando o conforto da outra.
Assim, numa manhã de primavera em que saiu da cama muito cedo, dia de importante prova de neurofisiologia, que supunha viesse a influenciar bastante sua carreira futura, mais uma vez optou por tomar a linha mais sinuosa e demorada.
Gente demais dentro do coletivo, como sempre!
Logo que entrou pela Alfonso Bovero, uma mulher ruiva, balzaquiana muito sensual, insinuou-se entre seu corpo e a fileira detrás dele como a pedir passagem. Parou a seu lado e, tão inevitável ali, roçou suas pernas nas dele. Ermanno, cuja pele sempre foi muito sensível, logo pôde deduzir que sua testosterona crescia, subia rápida e firmemente, assim como tudo o que num corpo de homem desse hormônio depende.
A ruiva tocou aquela sua rigidez toda, e sentiu tudo aquilo comprimi-la com força pétrea, sem usar as mãos. Cheios de desejo, ao longo das sucessivas curvas, sua respiração já ofegava em ritmo conjunto, num quase-êxtase. Sem trocarem quaisquer palavras, exalavam já o delicioso e sensualíssimo perfume da fêmea e do macho mutuamente desejantes.
Instantes são efêmeros por definição, certo? No entanto, há instantes que parecem fora do tempo, capazes de tocar a Eternidade. Se não fosse assim, como explicar que aquele trecho curto de Alfonso Bovero, que atravessa o Alto do Sumaré, tenha demorado tanto a passar, ainda que percorrido à mesma velocidade de sempre? Aquelas altas colinas foram abençoadas por seus corpos a apertar-se e esfregar-se um no outro, passivamente levados pela inércia, além de empurrados pelo traseiro de desconhecidos sem rosto. Só passiva e inercialmente movidos?
“Ah que mundo maravilhoso seria este se a Terra toda fosse tomada por este ritmo sensual e caótico. Como é doce o caos que só o desejo comanda” -- Devaneavam juntos Ermanno e Marlene, então.
O bom moço tinha muito vivas e pesadas na memória situações quase iguais, em que pusera tudo a perder mesmo diante de uma chuva de sinais favoráveis, todo o campo da doce batalha já tomado e úmido. Quão triste a sensação de fracasso que lhe sobreviria, caso também a perdesse, só por não conseguir iniciar um papo!
Alguns meses antes, Ermanno havia participado da encenação de uma peça francesa, em seu centro acadêmico, em que lhe coubera o papel de um poeta que, por não saber como abordar uma bela mulher, perguntava a ela, de repente, do nada e sem motivo algum:
“Você estuda na Filosofia?”
Assim, a partir do nonsense de uma pergunta gratuita, sem pé nem cabeça, sem qualquer porquê, ele quebrava o gelo. A partir do nada, numa ausência total de sentido brotava o amor. Pairava nessa cena uma tomada de posição acerca da existência, assim posta: 'seria o nada absoluto a verdadeira essência do amor?'
Num lampejo, Ermanno se decidiu. Reincorporando aquele personagem, saberia encenar sua determinação, e fingir coragem resoluta. Mirou direto nos olhos já lascivos de Marlene e perguntou:
“Você estuda na Filosofia?”.
Meia hora depois, Marlene e Ermanno punham um fim rubro, quente e incendiário à virgindade do bom rapaz tímido, numa transa intensa, que culminou em uivos conjuntos e estrepitosos de ambos. Todos naquele pequeno hotel de bairro os ouviram e invejaram.
"Deliciosa Marlene", foi o forte, sincero e eocionado comentário que fez ao falar dela pro amigo Celso Chassot, algum tempo depois.
Jamais a esqueceu!
Por quê nunca mais se viram? Talvez porque, diante dos ‘progressos’ constantes e acelerados desta era digital, os caminhos do acaso, com suas curvas acentuadas e incendiárias, estejam também em extinção.
Se algo semelhante ao drama desse bom moço introvertido, tarado-do-bem, se passasse hoje, certamente não teria perdido sua prova de neurofisiologia devido a distrair-se tão gostosamente, e deixar de dar o sinal ao motorista para descer no ponto em frente a sua faculdade. Ermanno e Marlene desembarcaram uns 2 km depois, perto do Largo de Pinheiros e a uma quadra do simpático hotelzinho.

Ainda existe essa linha de ônibus?
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