"Eppur si muove", Galileo Galilei entre dentes murmurou para os inquisidores que o obrigaram a calar-se por ter demonstrado que o Sol, a Lua e os demais astros não giram em torno da Terra, como rezava a 'verdade sagrada' há tantos e tantos séculos. Entretanto, ainda que nossa razão aceite os complexos e, para não especialistas até mesmo incompreensíveis, argumentos que dão Tempo e Espaço por marcas prévias indeléveis impostas por nosso sistema perceptivo a tudo que vem do exterior, alguma instância profunda de nós mesmos reage, resiste e mantém em si o pensamento: "'Eppur si muove' o tempo, mas que grande bobagem dizer o contrário!"
Sim, agora invocamos a frase de Galileo numa situação bem oposta àquela em que a usou, pois ele reagia à imposição de um apego irracional a uma conclusão de senso comum, milenar. Calava-se, pois, a razão que reagia diante da ameaça do obscurantismo irracional.
Portanto, ousamos inverter Galileo! Acabamos de desdizer um achado racional, corroborado com elegância e força por ciências empíricas, em nome de um grito intuitivo de senso comum. Pois, não obstante todas as teorias científicas, e todas as metafísicas, ao abrir os olhos constatamos que só existimos no tempo, somos totalmente dependentes dele, nele emergimos, e nele aguardamos até mesmo talvez o mais indesejado dos eventos, a morte certa por vir. Compreensivelmente, ficamos muito propensos a pensar que existe, sim, algo externo, apesar de tão misterioso, a que damos o nome de TEMPO, a permear por completo este nosso Universo/ Multiverso.
Como enfrentar esse paradoxo? Teríamos que recorrer à célebre (ir)racional frase de Gilles Deleuze, que declara que só o paradoxo pode esgotar a realidade da vida e do mundo?
Se 'realidade' do tempo é tão somente uma imposição inerente à condição humana, determinada por nossa sensopercepção, só a desrazão poderia vir em socorro de nossas certezas intuitivas? Ou devemos redefinir os conceitos de 'ilusão' e 'verdade'?
DANDO ASAS À IMAGINAÇÃO
Dia desses, dei asas soltas à imaginação, e me ocorreu como num exercício de pensamento, uma analogia, talvez um jeito de contornar nossa imensa dificuldade pra aceitar que o TEMPO seja apenas uma imposição fictícia inerente a nossa capacidade de perceber qualquer coisa, e não um existente físico independente do observador.
Em meu devaneio, o Universo/Multiverso apareceu como um romance maravilhoso impresso em um livro imenso.
Seres humanos muito corajosos e dedicados podem tentar lê-los, e mesmo traduzi-los para não-iniciados. Não esqueçamos, porém, que ler, entender e decifrar, têm significados diferentes.
Viver a vida seria pra cada um de nós, algo como ler um determinado capítulo desse livro, algo que fazemos com os olhos absortos em suas páginas, desde o nascimento até a morte. E percebam que não compreenderíamos nada de seu conteúdo se tentássemos lê-lo em outra ordem. Algo que certamente aponta para a seta unidirecional do tempo, impossível sequer sonhar com a inversão de seu curso (ir do futuro para o passado).
Nada muda no interior deste romance, enquanto nascemos, vivemos e morremos.
Apesar de nossas percepções e ilusões temporais, o livro impresso e encadernado por Deus está sempre lá, imutável, impassível, imóvel. Eterno.
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