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IDIOMAS, IDIOMS, LINGUE

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December 2, 2020

Teus Olhos

 
 
 "Mis pasos en esta calle
  Resuenan
  En otra calle
  Donde
  Oigo mis pasos
  Pasar en esta calle
  Donde
  Solo es real la Niebla ".
       
                              Octavio Paz  
   "Meus passos nesta rua
   Ressoam
   Em outra rua
   Onde
   Ouço meus passos
   Passar por esta rua
   Onde
   Só é real a neblina. "
                              (tradução livre)

"Possiamo dire che l'unico che compie uno spostamento qua in mezzo è Agilulfo, non dico il suo cavallo, non dico la sua armatura, ma quel qualcosa di solo, di preoccupato di sè, d'impaziente, che sta viaggiando a cavallo dentro l'armatura. Intorno a lui le pigne cadono dal ramo, i rii scorrono tra i ciottoli, i pesci nuotano nei rii, i bruchi rodono le foglie, le tartarughe arrancano col duro ventre al suolo, ma è soltanto un'illusione di movimento, un perpetuo volgersi e rivolgersi come l'acqua delle onde. E in quest'onda si rivolge Gurdulù, prigioniero del tappetto delle cose, spalmato anche lui nella stessa pasta con le pigne i pesci i bruchi i sassi le foglie, mera escrescenza della crosta del mondo".      
              Italo Calvino, Il Cavaliere Inesistente 
             
"Podemos dizer que o único que efetua uma mudança aqui neste meio é Agilulfo; não digo seu cavalo, não digo sua armadura, mas aquele algo de solitário, de preocupado, de ansioso, que segue viajando a cavalo dentro da armadura. A seu redor as pinhas caem do galho, os fios d’água escorrem por entre as pedras, os peixes nadam nas ribeiras, as lagartas roem as folhas, as tartarugas saem em marcha com seu duro ventre sobre o solo; mas é tudo apenas uma ilusão de movimento, um perpétuo vai-e-vem, como a água das ondas. E nessa onda se remexe  Gurdulù, um prisioneiro do tapete das coisas, ele também misturado a essa mesma pasta com as pinhas, os peixes, as lagartas, as pedras, as folhas, mera excrescência da crosta do mundo".***
Quando aquele teu olhar fugiu-me de todo presente possível, quando te foste para teu outro modo de ser, que se mostrou inacessível pra mim, mirei num único relance a meu redor, e, de imediato, dei início a minha reconstrução do próprio mundo. Meu ímpeto veio daqueles versinhos, escritos em alemão, que havia feito para ti:
Wenn du ein Traum bist,
wie arm die Realität! 
[‘Se tu és um sonho,
Quão pobre a realidade!’]
Quão pobre a realidade em que tu já não podias estar.
Brotou em mim logo a certeza de que teus olhos, presentes eternamente naquele nosso encontro numa tarde de primavera, retinham o poder de fazer-me um transformador rebelado da própria realidade. Era “o mundo à revelia”, como disse certo personagem de “Grande Sertão Veredas”, de Guimarães Rosa. Sim, passei a revisar tudo isso a que os seres humanos chamam de 'real'. Que palavra maçante e ingênua! Começando pela ordem do tempo, rapidamente pus fim ao fluxo incessante num único e monótono sentido. Quão tolos os  seres humanos e suas amarras auto-impostas, resultado de sua crença de que a vida flui, irreversivelmente, rumo ao futuro e contra o passado! Quão pesados os grilhões desse autoflagelo!
Tornou-se a mim acessível, como que à palma de minha mão, aquele teu olhar de certo entardecer de primavera: poderíamos revivê-lo a qualquer momento, a um simples desejo. Não quis, porém, fazê-lo de imediato. Estive certo, desde que teve início minha rebelião libertária e atemporal, de que caso cruzasse com aquela cena, com teus encantadores olhos a fitar-me, jamais a deixaria para tornar a viajar anarquicamente pelos tempos. Mantive-me, pois, longe daquela cena mágica, ocorrida no jardim interno de nossa faculdade como alguém que cuida de sua mais preciosa jóia.
Passei a vagar a teu redor, em torno de teus olhos a fitar o meus, como alguém que está visualizando dois pequenos focos divinos, intocáveis​​. Tais jóias com seu brilho, porém, permaneciam sempre acessíveis a meus desejos através de uma simples decisão de meu ser insurgente.
A brincar como um menino travesso, revirei o espaço-tempo à procura de cada um desses momentos de outrora, em que nós tínhamos estado lado a lado. Toquei teus macios cabelos dourados. Extasiei-me diante de cada instante do passado em que te vira, e todos os pequenos detalhes de cena foram, então, repetidos lentamente. Mudei o curso de certos eventos, multiplicando assim nossos encontros. Um acaso sinuoso e estranho tinha, tantas vezes, nos distanciado naqueles anos de faculdade.
Penetrei teus sonhos como tu tantas vezes fizeras com os meus próprios. Todavia, não me apresentei como simples figura que encena um papel dentro de um enredo. Em vez disso, comecei a orientar a trama de teus sonhos.
Sonhaste, Laura, que estavas face a face contigo mesma bem no centro daquele jardim interno de nossa faculdade. Exatamente ali onde, num pôr-do-sol de primavera o teu olhar me feriu tão profundamente, fazendo de teus olhos os onipotentes condutores de tudo em minha vida. Laura encontrou Laura.
Tu não pudeste saber de que fase de tua vida essas imagens procediam. Estavas em frente de ti mesmo, duas que tu parecias ser.
Imediatamente concordaste comigo quando falei sobre a beleza, o encanto e a magia de teus olhos. Mas não, como o artífice dos teus sonhos, eu não iria deixar-te sentir sequer uma gota de compaixão por mim. Porque toca a mim o papel de eternamente apaixonado! E repudio qualquer tipo de paixão que me venha com prefixos! Simplesmente porque não sou o cara que te perdeu. Muito pelo contrário, começaste a ser só minha exatamente no dia em que, perante um certo tipo de realidade -- que eu já erradiquei de qualquer mundo possível -- tu me abandonaste.
No primeiro encontro, em sonhos, em que estavas face a face com Laura, tu não foste capaz de evitar intenso êxtase narcísico. Este não se deu por qualquer intromissão de meus poderes, nem penso que qualquer tipo de força, mundana ou não, poderia fazer as coisas acontecerem de maneira diferente: tua beleza consumiu todo desejo de teu próprio ser, como fogo em galhos muito secos.
Nua, cercada por flores douradas, tu te encantaste ao ver a linda cor de teus pelos íntimos. Beijaste teus próprios mamilos, bem como teu rosto, teus lábios. Cheiraste teus cabelos e sentiste sua fragrância deliciosa. O idílio apaixonado entre ti e tua alter-ego culminou em gritos e gemidos em uníssono. Duas que estavas sendo, teus gritos de amor, todavia, só puderam ser em uníssono.
Em meio àqueles ruídos sublimes de amor, incessantemente olhavas  para o azul de teus próprios olhos.
Na noite seguinte, foste capaz de falar contigo. Ambas sentadas frente a frente: a que tu és, dentro do mundo banal e medíocre dos homens comuns, defronte a tua alter-Laura, essa mesma que poderia ter existido no fluxo corriqueiro do tempo, mas que se refugiou em meu mundo. Neste mundo em que vivo de reconstruir tudo.
Tu começaste a falar com minha Laura, e em breve sabias que ela não se casou com aquele a quem cabe, neste mundo de máscaras sociais, a de tê-lo feito. 
"Não, recusei-o depois de ler algumas cartas de um cara que estava desesperadamente apaixonado por mim." 
Tendo de tais cartas certa lembrança, ainda que imprecisa, pediste a alter-Laura mais detalhes sobre essa ruptura: 
"Ficaste com Enrico, o que escrevia aqueles versos, e que manifestava um amor tão repentino e impulsivo, que até te fez pensar que pudesse de repente irromper na sinagoga durante a cerimônia?" 
Não tiveste resposta. Tua alter-ego, a minha Laura, não poderia dizer-te excessivas verdades num único sonho.
Acordaste com a mente confusa, pois agora sabias que a Laura, com que vinhas te encontrando em sonhos, já não poderia ser tão idêntica a ti.
“Como pôde deixar-se arrebatar tão intensamente, a ponto de romper o noivado, a sete dias do casamento, guiada por versos e fantasias de um menino visionário, com olhar de lobo, além de ímpetos tresloucados de paixão? Versos, ora versos!".
Perguntaste exclamando a teus botões.
Seguiste para a casa de teus pais, a fim de revirar papéis e talvez achar as cartas com os meus poemas. Estavas a meio caminho, dirigindo solitária, em meio ao caos dos sempre sombrios e gigantescos engarrafamentos, quando te declamei ao ouvido, como forte alucinação:
Mein kleines, hübsches Mädchen,
meine kleine, hübsche Frau;
wen ich haben möchte,
wen ich haben werde!
 [Minha pequena, menina bonita,
 minha pequena e linda mulher;
 que quero ter ,
 que vou ter!]
Haviam sido criados assim, em alemão, mas os compreendeste de imediato! Os apaixonados nunca precisaram se expressar na mesma língua:

“Que quero ter, que vou ter!”

Os tais papéis dos tempos de universidade estavam numa gaveta de quarto, em que dormiras desde menina.
Brinquei ainda mais contigo, e fiz com que lesses frases nas cartas, que nunca tinham sido escritas. Por exemplo, esta em tom ameaçador:

"Se tu me abandonares para sempre, os seres humanos esquecerão o significado de ‘sempre’, e até mesmo o fluir do tempo não será mais captado por suas mentes." 

Em ainda mais um sonho, minha Laura te fez saber de certos poderes enigmáticos meus. Disse que consigo reverter o fluxo do tempo e, juntos, havíamos revivido tantas vezes o melhor de nossas vidas naqueles anos de faculdade. Dentro do campus de nossa Faculdade de Medicina, ou pelas ruas de Sampa de madrugada. Alter-Laura revelou-te ainda, que dessa forma, eu tinha te feito realmente ver quão intenso é meu amor por ti. Neste ponto, tu pediste, num ímpeto repentino, para trazer-me de volta a ti em um desses sonhos narcisistas. Tu, também, querias poder reviver o passado.
Imediatamente, apareci em meio a essas mesmas imagens de sonho.
Peguei tuas mãos e juntos refizemos toda a cena:
Leio um jornal, ou finjo fazê-lo, num banco do jardim interno de nossa FMUSP, quando te vejo surgir caminhando a alguns metros, rumo ao estacionamento.
É primavera, tu vens a passos lentos. Quando estás bem defronte a mim, eu coloco de lado o jornal.
Olhamos um para o outro, meus olhos encontram os teus.
Teus olhos encontram os meus.
Tu me desferes o mesmo brilho-de-olhos dilacerante, exatamente o mesmo. Nós, que tudo encenamos, somos idênticos ao que éramos então.
A magia de teus olhos penetra-me fisicamente, sinto-a fluir pelo trajeto do nervo óptico e alojar-se na região mais íntima de minhas emoções e sensações, num pedaço de mim que me transcende, para além de minha própria consciência. 
Tu sabias que o encantamento, a magia que me lançavas ali iria revolucionar toda minha percepção do universo, do mundo e da vida. Há, desde então, entre as imagens que me chegam à retina e sua recepção pelo meu ‘Eu’ mais profundo, a mediação de teus olhos.
Tornei-me capaz, através de minha sensopercepção, mediada por ti, de ver infinitas realidades, aí onde antes acreditava houvesse só uma. Capaz de fazer-te minha, e assim nunca mais deixar que saísses daquele jardim rumo ao estacionamento, enquanto eu, enfeitiçado por teus olhos, até mesmo sem saber diferenciar minhas pupilas das tuas, te perdi por entre os automóveis.
Continuo a visitar teus sonhos, Laura. Todavia, como já havia imaginado que haveria de ocorrer, não somos capazes de reencenar senão este último.
Pego tua mão, e montamos um quadro giottesco. Sim, encontrei nos afrescos de Giotto tantos olhares idênticos aos teus, e pintados há uns setecentos anos. Em seguida, repetimos nossa mise-en-scène: tua caminhada lenta, nosso face a face, teus olhos tomando conta de mim por inteiro.
Nós o sonharemos por todas as noites de nossas vidas, Laura, até o momento em que, depois, possamos nos reencontrar um diante do outro.
Face a face.
Olhos nos olhos. 
Unos que sempre fomos.
Eternamente

                                                      

 ***No parágrafo assinalado acima, trecho de ‘O Cavaleiro Inexistente’. O personagem principal, cuja condição dá nome ao romance, se chama Agilulfo, e dele se pode dizer que de fato 'é', ainda que 'não exista' como objeto corpóreo. Em completa oposição a seu escudeiro Gurdulù, que existe concretamente como um corpo, mas sobre o qual tem de ser dito que não tem absolutamente nenhum tipo de ser.

Agilulfo é, mas não existe.                                    Gurdulù existe, mas não é.    

       

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