[Carta publicada na edição de abril 2013 da CULT, a propósito de uma matéria sobre o filme de Lars von Trier, o gênio Schopenhaueriano da Dinamarca, que expõe suas divagações filosóficas em forma de cinema.]
Prezada Márcia Tiburi,
Prezada Márcia Tiburi,
bem diversa da sua é minha interpretação dessa grandiosa obra de Lars von Trier:
pai e mãe se mortificam de culpa pela morte do menino. Ela reage com uma depressão psicótica, ele com a racionalização violenta que sua estranha arma, o poder de psicoterapeuta, parece lhe conferir.
Ao retirá-la de outro profissional, e ao assumir para si a mais que impossível tarefa de ser o terapeuta de sua própria esposa, e com circunstâncias tão agravantes, ele se 'blinda' contra qualquer olhar que possa jogar-lhe sequer parte dessa culpa tão tenebrosa.
A mulher é o ser intuitivo, do maior amor à Terra/terra, à Natureza. Tem o dom de compreender a vida e a interação humana muito melhor que nós homens. Pode valorizar premonições, bem como os presságios, tão frequentes na floresta de Éden. Nome bíblico.
Desde Adão e Eva se diz que os homens não entendem as mulheres, e que elas possuiriam poderes 'demoníacos', dado ter a primeira ouvido a serpente... Símbolos poderosos esses.
Lars von Trier fala da perpétua guerra dos sexos, que parece avaliar como inerente à condição humana.
"Você diz a verdade, e a verdade é seu dom de iludir". Canta Gal na minha memória, na canção de Caetano.
O poder racional masculino refuta logo qualquer sentimento de culpa, e monta rapidamente sua agressiva (e exitosa) estratégia: conduzir, como se fosse um sacerdote neutro, a psicoterapia de sua parceira. Assim, qualquer indício de que lhe coubesse qualquer culpa poderia ser facilmente desprezado, e apagado quem sabe até do inconsciente de ambos.
A razão violenta vence as guerras, disso ninguém duvida.
O poder feminino a despeito de suas vitórias, parece perder a batalha final.
'Anti-Cristo' de von Trier é alusão ao poder masculino racional, agressivo e destruidor da Natureza, que está pondo em ameaça crescente a vida das gerações futuras.
O hedonismo hiper-consumista não está percebendo que está em vias de matar seus próprios filhos.
A relação sexual que abre o filme é uma alegoria deste nosso tempo: um hedonismo oba-oba que mata esse bebê: o futuro da humanidade.
Marcos Wagner da Cunha
Psiquiatra pelo Hospital das Clínicas da FMUSP
Doutor em Filosofia da Psicopatologia pela FFCLH da USP
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