[Matéria acerca da gênese das terríveis desigualdades sociais entre seres humanos! E Nicolae Ceausescu, ditador ensandecido, como tantos outros, a alegar a busca 'justiça social' generalizava a privação afetiva da infância de todos os filhos de trabalhadores romenos! Na verdade, só estava criando uma multidão DE ESCRAVOS!]
A MENTE DOS BEBÊS, matéria da National Geographic Brasil:
O cérebro de um bebê precisa de amor para se desenvolver. Por isso, o primeiro ano explica quase tudo o que somospor Yudhijit Bhattacharjee
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Os gêmeos Felix e Viva Torres, com 7 meses e meio, absorvem a vista e os ruídos de Greenwich Village, em Nova York. Eles estão acostumados a ouvir duas línguas em casa.
No final da década de 1980, quando uma epidemia de crack assolava as cidades americanas, a pediatra Hallam Hurt, da Filadélfia, começou a se preocupar com os recém-nascidos de mães viciadas. Concentrando-se em famílias de baixa renda, ela e seus colegas compararam crianças de 4 anos que tinham sido expostas à droga com outras cujas mães nunca haviam se drogado. Nenhuma diferença foi encontrada. Por outro lado, eles constataram nos testes que, em ambos os grupos, a inteligência das crianças estava bem abaixo da média. "Essas crianças pequenas eram fisicamente perfeitas e até mesmo bonitas, mas seus QIs giravam em torno de 82, 83", conta Hunt. "E o QI mediano é 100. Foi chocante."
Essa descoberta fez com que os pesquisadores deixassem de buscar o que distinguia cada grupo e tentassem identificar o que possuíam em comum: o fato de as crianças terem sido criadas em condições de pobreza. Para entender o ambiente dessas crianças, eles passaram a visitar suas famílias e a fazer perguntas padronizadas. Indagaram se os pais tinham em casa pelo menos dez livros infantis, se os pequenos ouviam canções, se tinham brinquedos que favorecessem o aprendizado dos números. Também ficaram atentos para ver se os pais se dirigiam aos filhos de modo afetuoso, se respondiam com paciência às suas dúvidas e se os abraçavam, beijavam e elogiavam.
Uma das conclusões da pesquisa foi que as crianças que recebiam em casa mais atenção e cuidados exibiam uma clara propensão para ter QI mais alto. As crianças expostas a um volume maior de estímulos cognitivos desincumbiam-se melhor de exercícios com a linguagem, ao passo que as tratadas de forma calorosa se saíam melhor em testes de memória.
Muitos anos depois, quando essas mesmas crianças chegaram à adolescência, os pesquisadores as submeteram a exames de ressonância magnética do cérebro e associaram os resultados aos dados colhidos na época em que elas tinham 4 e 8 anos de idade e relativos à maneira mais ou menos estimulante como haviam sido criadas. O que se constatou foi um claro vínculo entre os estímulos até os 4 anos e as dimensões do hipocampo – região do cérebro associada à memória –, mas não se achou nenhuma correlação desse tipo aos 8 anos. Tais resultados demonstram como é fundamental um ambiente emocionalmente propício nos primeiros anos de vida.
Esse estudo, realizado na Filadélfia e divulgado em 2010, foi um dos primeiros a demonstrar que as experiências infantis moldam a estrutura do cérebro em desenvolvimento. Desde então, outras pesquisas apontaram uma ligação entre as condições socioeconômicas do bebê e o crescimento de seu cérebro. A despeito de nascer já com uma capacidade assombrosa, o cérebro depende muito dos estímulos ambientais para ampliar ainda mais as conexões entre os neurônios.
Graças a novos equipamentos voltados para a visualização do cérebro infantil, os cientistas estão desvendando o enigma das mudanças por que passam as crianças, que ao nascer mal conseguem enxergar ao seu redor e depois acabam por adquirir a capacidade de falar, andar, desenhar. Quanto mais soubermos sobre como os pequenos adquirem o domínio da língua, dos números e do entendimento emocional nesse período, mais evidente vai se tornar quanto o cérebro do recém-nascido é uma máquina de aprender.
NG - Na Universidade de Washington, pesquisadores estudam a atividade cerebral em bebês por meio de um aparelho de magnetoencefalografia
Na Universidade de Washington, pesquisadores estudam a atividade cerebral em bebês por meio de um aparelho de magnetoencefalografia, que mede o campo magnético ao redor do crânio do bebê e, com isso, revela o esquema de ativação dos neurônios - Foto: Lynn Johnson
Se a metamorfose de um aglomerado de células em um bebê pronto para mamar é um dos grandes milagres da vida, o mesmo vale para a transformação dessa criatura titubeante em uma pessoinha capaz de andar, se expressar e até negociar o horário em que vai para a cama. Enquanto preparava este artigo, pude observar de perto esse milagre: minha filha deixou de ser uma criatura inquieta, que só dispunha de um grito lancinante para avisar que estava com fome, e tornou-se uma animada menina de 3 anos que insiste em usar óculos escuros antes de sair de casa. O florescimento da sua capacidade mental e emocional foi uma sequência de maravilhas, reforçando o meu assombro com a destreza do cérebro infantil para entender o mundo.
Os marcos pelos quais a minha filha passou serão reconhecidos por todos os pais. Aos 2 anos, ela sabia o bastante para se dar conta de que não precisava segurar a minha mão quando andávamos pela calçada – só a buscava quando precisávamos atravessar a rua. Mais ou menos na mesma época, também aprendeu a bloquear o ralo da banheira com o calcanhar – fazendo o que seria uma ducha rápida virar um banho repleto de possibilidades de diversão.
Mesmo depois de milênios criando os filhos, ainda sabemos pouco sobre como os bebês dão esses passos gigantescos em termos de capacidade de entendimento, expressão linguística, raciocínio e planejamento. O acelerado ritmo de desenvolvimento nesses anos iniciais coincide com a formação de uma imensa maçaroca de circuitos nervosos. No nascimento, seu cérebro conta quase uma centena de bilhões de neurônios – tanto quanto um adulto. À medida que o bebê cresce e vai sendo inundado por estímulos sensoriais, os neurônios se interligam uns com os outros, resultando em centenas de trilhões de conexões na época em que a criança tem 3 anos.
Diferentes estímulos e gestos, como ouvir uma canção de ninar ou estender o braço para agarrar um brinquedo, ajudam a estabelecer redes neuronais distintas. E tais circuitos são reforçados por meio de ativações reiteradas. A membrana que envolve as fibras nervosas – feita de um material isolante denominado mielina – vai engrossando nos trajetos usados com maior frequência, permitindo que os impulsos elétricos circulem por ali com mais rapidez. Já os circuitos pouco usados
acabam por se extinguir, ocorrendo o corte das conexões, num processo conhecido como "seleção sináptica". Entre as idades de 1 e 5 anos, e de novo no princípio da adolescência, o cérebro passa por ciclos de crescimento e de eliminação de elementos desnecessários, com as experiências desempenhando um papel crucial na gravação dos circuitos destinados a permanecer.
O MODO COMO A NATUREZA E A CULTURA se associam para moldar o cérebro é evidente sobretudo no desenvolvimento da capacidade linguística. Que porção dessa capacidade é congênita e quanto deve ao aprendizado por parte dos bebês? Para saber como os pesquisadores estão abordando essa questão, conversei com a neurocientista cognitiva Judit Gervain, da Universidade Descartes, em Paris, que realiza experimentos com recém-nascidos.
Eu a acompanho até uma sala que dá no saguão da ala da maternidade. O primeiro bebê daquela manhã é trazido em um carrinho, enrolado em uma manta com bolinhas cor-de-rosa, e acompanhado do pai. Um assistente de pesquisa coloca na cabeça do bebê um gorro repleto de sensores que mais parecem botões. O objetivo é visualizar o cérebro do bebê enquanto são tocadas várias sequências sonoras, como as sílabas nu-ja-ga. Porém, antes mesmo de ser possível qualquer observação, o bebê começa a emitir gritos agudos, deixando bem claro que não está gostando daquilo. Logo o assistente retira o gorro e o bebê é embalado e devolvido aos braços do pai. Outro recém-nascido – também acompanhado do pai – é trazido para a sala. O assistente segue o mesmo protocolo, e dessa vez não há problemas para realizar a visualização.
Adotando um procedimento similar, Judit e seus colegas verificaram em que medida os recém-nascidos conseguiam distinguir diferentes padrões sonoros. Usando um equipamento de espectroscopia na região do infravermelho, os pesquisadores visualizaram o cérebro dos bebês enquanto estes ouviam sequências sonoras. Em alguns casos, os sons eram repetidos segundo um esquema ABB, como em mu-ba-ba; em outros, o esquema era ABC, como em mu-ba-ge. Constatou- se então que as áreas do cérebro encarregadas do processamento da fala e da audição reagiam mais às sequências ABB. Em um estudo posterior, os pesquisadores descobriram que o cérebro do recém-nascido também era capaz de distinguir as sequências do tipo AAB daquelas que seguiam o esquema ABB.
Judit Gervain ficou entusiasmada, pois a ordem dos sons é o fundamento da formação das palavras e das regras gramaticais. "A informação sobre o posicionamento é crucial na linguagem", diz. "Se algo está no começo ou no fim, faz muita diferença: 'João matou o urso' é uma coisa; 'O urso matou João' é outra bem distinta."
O fato de que, desde o início, o cérebro do bebê reage à sequência na qual se dispõem os sons indica que os algoritmos para o aprendizado da língua fazem parte da rede neural com que as crianças vêm ao mundo. "Por muito tempo nos apegamos a uma concepção linear. Primeiro os bebês ouvem os sons, depois passam a entender as palavras isoladas e, em seguida, muitas palavras reunidas", diz Judit. "No entanto, os resultados mais recentes nos dizem que quase tudo começa a se desenvolver a partir do nascimento. Desde o início os bebês já começam a aprender as regras gramaticais."
Sob a orientação da neuropsicóloga Angela Friederici, pesquisadores do Instituto Max Planck de Pesquisas Cognitivas e Neurológicas, na cidade alemã de Leipzig, encontraram indícios desse tipo de entendimento por meio de experimentos nos quais bebês alemães de 4 meses foram postos em contato com línguas pouco familiares. Primeiro os bebês ouviram uma série de frases em italiano representando dois tipos de construção gramatical: "O irmão pode cantar" e "A irmã está cantando". Três minutos depois, ouviam outro grupo de frases italianas, algumas das quais incorretas gramaticalmente, como "O irmão está cantar" e "A irmã pode cantando". Nessa etapa, os pesquisadores mediram a atividade cerebral usando eletrodos fixados na cabeça dos bebês. Na série inicial de testes, constatou-se uma reação cerebral similar tanto para as frases corretas como para as incorretas. Porém, depois de algumas sequências, os bebês passaram a exibir padrões de atividade neural muito distintos quando ouviam as frases incorretas.
Em apenas 15 minutos, os bebês parecem ter absorvido o que era correto. "De algum modo eles devem ter aprendido, mesmo sem entender o significado das frases", diz Angela. "Nessa altura, não é a sintaxe que importa. É a regularidade codificada nos fonemas."
Os pesquisadores comprovaram que, por volta dos 2 anos e meio de idade, as crianças são espertas o bastante para corrigir erros gramaticais cometidos por bonecos. Até os 3 anos, a maioria das crianças domina um conjunto significativo de regras gramaticais. O vocabulário delas cresce sem cessar. Esse florescimento da capacidade linguística ocorre à medida que se formam novas conexões entre os neurônios, a fim de que a fala possa ser processada em múltiplos níveis: som, significado e sintaxe. Ainda resta aos cientistas delinear o roteiro seguido pelo cérebro do bebê para alcançar a fluência linguística. Mas uma coisa é certa, diz Angela: "Não basta apenas ter o equipamento. Também é preciso o estímulo".
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