"Ao homem que cavalga por longo tempo por terrenos selvagens, vem desejo de uma cidade. Finalmente alcança Isidra..." Italo Calvino, em 'As Cidades Invisíveis'
Sempre sonhei embrenhar-me na floresta amazônica, nem que fosse aventura perigosa, desconfortável, quente demais ou tendo de pagar preços exorbitantes nos hotéis melhores, que têm preços exorbitantes por serem destinados sobretudo a estrangeiros. Depois de muitos planos e de uma pesquisa minuciosa de roteiros, enfim, a partida: seriam dez dias no Juma Lodge, em plena selva. Viajamos por quatro horas sem parada desde Manaus, adentrando a mais densa das matas do mundo, por estradas de terra, depois em barcos guiados por índios, ouvindo histórias de jacarés, piranhas, onças, até chegar a uns bangalôs pendurados nas copas das árvores à beira do Rio Juma. Que aventura! Aquele pequeno hotel havia sido praticamente destruído pela cheia gigante de 2009, e, então, passados 12 meses de inatividade, tornava a aceitar hóspedes. Fênix ressurgia das cinzas, que imagem exuberante para o poder infinito da Natureza com seus ciclos de destruição e renascimento. Tudo bem ao gosto da Revolução Verde, que haverá de salvar a Terra! No dia seguinte pela manhã, o café num refeitório em formato de construção dos índios ianomami... Quanta emoção! Ali não havia sinal de internet, nem de TV ou rádio. E sempre odiei excesso de conexão! Tampouco seria incomodado por aparelhos celulares, e sequer meu leitor eletrônico de livros (kindle) funcionava... Seriam, pra este paulistano aqui amordaçado por esta infernal megalópole em que nasci, 10 dias sem contato nenhum com as pragas e quinquilharias desta tristíssima civilização hiperconsumista, cada vez mais vazia de sentido. Enfim estava em meio à selva tropical, longe de tudo e de todos, como em tantos de meus sonhos, devaneios e fantasias!
Tomando um suco de cupuaçu delicioso, logo após o café-da-manhã, e eis meus pensamentos enquanto mirava o Rio Juma e a densa floresta:
-- "Nem tudo está perdido! Há espaço (e tempo) para a fruição da plena autenticidade de nós mesmos, aquele melancólico do Lars von Trier se engana, pois nem tudo é imitação, repetição ou vigilância ininterrupta! O Big Brother de George Orwell --outro pessimista de maus humores -- nunca vencerá!".
Eu estava muitíssimo bem acompanhado no Juma, e ainda assim, ou talvez até por isso mesmo, notei com presteza a aproximação de duas jovens adolescentes: irmãs, uma com cerca de 16, outra uns 18 anos. E que belas 'comissões de frente', como diria meu amigo Ermanno!
Senti logo que seus olhares estavam a revelar certo interesse por este simpátíco, sensual, homem com mais de 40 anos. Talvez até mesmo fosse já evidente uma iniciativa maior aproximação física por parte da de 18 anos... Fui ficando animado pra valer, beirando a euforia, a ponrto de dizer a mi mesmo:
"Este é meu paraíso! Em meio a esta exuberante floresta brasileira, intocada como nos tempos de Cabral, realizarei enfim aquela tão sonhada orgia com um delicioso harém de belas jovens. Sozinho, com estes volumes abundantes, à disposição de quantas vierem!"
Quando já ia decidindo chamar pra orgia também aquela morenaça, que acompanhava um alemãozinho, a mais peituda delas me lançou sua lancinante pergunta:
"O senhor é o pai do Cunha, não é? Do Henrique Cunha, que fez Colégio Santa Cruz e agora estuda Ciências Sociais na USP? Estudamos juntos, e hoje frequento o Instituto de Química."
Eu me imaginava ali isolado, protegido, blindado contra a apavorante civilização Big Brother. Imaginando que só seria coagido a abandonar aquele 'anonimato' ao ter que pagar a conta, ao despedir-me. Pensava-me livre das tantas amarras identificadoras deste século 21, a ponto de relativizar o disparate ousado de Jean Paul Sarte quando disse: "Moi? Mais non je n'ai pas de surrmoi!" [Eu? Claro que não tenho super-ego!]
"A cidade sonhada o continha jovem; a Isidra chega em idade tardia.(...) Os desejos são já lembranças" Obra citada, 'As Cidades e a Memória 2'