O Mau Comportamento da Viúva de Meu Amigo

Estou só em Itanhaém, e muito bem acompanhado pela minha amiga Maiella, uma labrador de 9 anos, viúva há 6 meses. O finado cônjuge era um salsichinha-lata espertíssimo, mais inteligente do que muita gente, chamado Café, de 8 anos. Conto a vida dele em outro momento.
Desde a primavera passada, eu e Maiella nos tornamos muito unidos afetivamente. Sofreu bastante pela perda do meu maior amigo, ficava um tempão olhando pra rua pelas brechas do portão, à espera. Quanto a mim, fui bastante criticado por familiar por não chorar pela morte de meu cãozinho amado. Ela não percebeu as tantas lágrimas que não se valeram de meu rosto pra escorrer, pois foram de imediato solidificar-se na memória, de onde nunca sairão.
Você, leitor, já tem bons motivos pra deduzir porquê tanto conversamos, eu e Maiella. Passamos o tempo todo juntos, e me segue pela casa e pelo quintal compulsivamente, demostrando sofrer quando me ausento de casa.
De quê falo a ela? De tudo e de nada, Maiella me ouve atentamente, e concorda sempre com meus pontos-de-vista, até com os mais polêmicos, que tantas vezes, eu, ao discordar de minha própria opinião, termino por rejeitar. Viva a dialética socrática!
O quê? Você quer saber como sei que Maiella concorda com o que digo, já que não fala?
É tão simples, basta lembrar do dito popular: "Quem cala, consente!"
E foi numa dessas conversas que a viúva do meu maior amigo acabou por cometer uma grosseria, foi muito muito rude comigo! Estávamos aqui na sala de casa, eu no sofá, ela deitada no chão a me ouvir atentamente enquanto comentava um video da BBC sobre Gobekli Teppe, o sítio arqueológico da Turquia descoberto na década de 1990, com construções datadas em 12000 (doze mil) anos, ou seja, erguidas uns 7000 anos antes das primeiras pirâmides do Egito. Estava relatando o quão espantoso é saber dessa habilidade dos homens da Idade da Pedra, que ninguém julgava capazes disso, pois seriam apenas aptos a caçar e coletar pra sobreviver, assim como fazem até hoje os animais em geral, cuja inteligência limitada não lhes permite ir além.
Enquanto tecia esses últimos comentários, o controle remoto escapou-me, e caiu a meu lado esquerdo, quase entrando debaixo do móvel. Não, não precisei sequer parar de falar. Bastou que me contorcesse, e o pegasse sem precisar deslocar o sofá.
Apenas por um átimo desviei o olhar de Maiella, e ainda a dizer dos limites da inteligência animal dos povos neolíticos, virei-me novamente pra direita, como quem quer saber da reação de quem me ouvia.
Maiella, a viúva de meu maior amigo, havia saído da sala enquanto procurei o controle.
Deixou-me falando sozinho!
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